domingo, 17 de abril de 2011

O silêncio de um mês

Desde o dia em que o José nasceu, estou escrevendo. Vou colocar aqui alguns trechos que já estão escritos, que retratam um pouco do nosso sentimento. Quem quiser continuar acompanhando, sempre que possível, voltarei aqui para homenagear nosso José.

O SILÊNCIO

"O silêncio antes de nascer, silêncio depois da morte, a vida é um mero ruído entre dois insondáveis silêncios”

Completamos um mês da passagem do José. O que aconteceu neste um mês? A vida continuou. Por mais que eu não quisesse aceitar e nem ver, ela continuou. Percebi isso quando vi as plantas crescendo no nosso jardim, quando vi que o outono chegou, o cabelo do Pedro cresceu, a comida da despensa acabou. O tempo continua passando, por mais que isso me irrite, às vezes. E nada eu posso fazer para pará-lo. E nada para fazê-lo regredir. E por isso dói, pois me mostra que nada pode trazer nosso José de volta.

Estou cuidando de mim e do meu estado de espírito da forma como posso e sinto. Não estou ótima nem péssima. São momentos, apenas. Há momentos em que estou bem, me sinto até que feliz e consigo fazer algo com disposição e sem tristeza. E há momentos que estou sentindo uma dor profunda, deitada na cama. São momentos, apenas.
Queria muito acordar um dia e ainda estar grávida. E de repente ele nascer. E vir para o meu colo e aqui ficar. Queria tirar estas lágrimas do meu rosto e a pena do rosto dos outros. Me olham com tanta pena, meu Deus!
Mas como eu já disse antes, o curso da vida não tem nada a ver com o que eu queria. A vida vai seguir seu rumo, tem seus planos, e eles não seguem nossas vontades, mas sim a de Deus.

E hoje faz um mês. Eu não estava preparada para a morte. Nós nunca estamos preparados para a morte, muito menos a de um recém-nascido.
Todo mundo fala “a vida tem destas coisas” ou “são coisas da vida” ou “a vida continua”. Isso que está acontecendo com a gente não é coisa da vida! A morte faz parte da vida e são coisas da morte. A vida, ao menos para mim, é o todo dia, a rotina que temos, amigos e família no almoço de domingo. Este cotidiano tão simples e tão sagrado é realmente a vida. A morte é aquela que vem, de vez em quando, sentar à mesa com a gente.

Como podem notar, estou muito ocupada pensando, sentindo, analisando, lendo e tentando entender tudo que nos aconteceu. E esta minha ocupação é justamente o que vai fazer o tempo passar. Não quero guardar a dor no armário, quero vesti-la. Quero encará-la de frente. Assim como a dor do parto, não quero negá-la. Mesmo que ela ocupe meu tempo, tudo bem, estou com tempo para ela.
Se desligar de um filho é o maior exercício de desapego que um ser humano pode fazer. Esquecer um filho é completamente impossível, mas desapegar é possível. E este é hoje meu exercício diário.

Mas estou orgulhosa de nós. Afinal de contas, ninguém saiu por aí mundo afora, ninguém ficou louco ou abandonou tudo e todos para passear com a dor. Confesso que tive muito esta vontade e hoje entendo um pouco estas pessoas que vão vagar por aí, pois é uma forma de fugir do sofrimento.

Ando pela casa com minha xícara de chá e minhas lágrimas. Choro facilmente em qualquer lugar e pouco me importo com as pessoas olhando. Choro no supermercado, na caminhada, onde for e onde vier. E deixo as lágrimas saírem. Tem horas em que dá muito trabalho disfarçar.

Choro e escrevo. E assim está nascendo o que pode ser o livro do José. Nascimento e morte são feitos da mesma substância e são experiências bem parecidas. O pós-parto e o pós-morte viraram uma coisa só para mim, e é sobre esta fusão que escrevo.
O livro que pari com o filho que perdi.

“os filhos são como livros, são viagens ao nosso interior nas quais corpo, mente e alma invertem seus rumos, regressando ao próprio centro da vida”.

As duas citações são da escritora Isabel Allende, verdadeira mestre em falar dos sentimentos.